sábado, abril 12, 2014

A mulher nua

             Caminhava apressada tentando equilibrar-se sobre os saltos nas pedras soltas, nas calçadas em obras, poças e desníveis.
             Lá ia ela segurando a bolsa na mão e o mundo nas costas.
             Virando à esquina o pedreiro da obra, que atormentava seus dias, mandou-lhe um beijo estalado. Murmurou um xingamento inaudível, sentindo-se vencida pela covardia de não mandar-lhe à merda em alto e bom som.
             O encontro com os vizinhos na escada, a procura da chave, a bolsa no sofá, o sapato na sala e o mundo sobre as costas.
             O amor imensurável no olhar do cão apagou num segundo às impressões do dia, imprimindo-lhe um sorriso oceânico. E assim, com uma sensação de pertencimento às engrenagens do mundo, chorou as relações perdidas no poder, os amigos enterrados na vaidade, o saber cego, a saudade e o impossível.
             Culpou-se pelo que não disse, angustiou-se com as dúvidas e vislumbrou o traçado que fizera para si. O cão latiu abanando o rabo. Estava com fome.
             O dia encontrou-lhe nua sobre as cobertas.