sexta-feira, outubro 08, 2010

Retratos Imorais

"O mundo cheira a talco ordinário, a bosta e mijo secando debaixo do sol quente de fevereiro, nos becos estreitos da cidade enlouquecida. Ecos desse carnaval chegam às emergências dos hospitais com os sobreviventes bêbados e feridos: de ambulância, nos camburões da polícia, a pé, se arrastando. São bacantes do deus trácio mestiçados no Recife. Na cola suarenta dos corpos resistem confetes; nas bocas, um bafo pestilento de álcool e cebola frita. Egressos de ruas e praças, encharcados de frevo e chuva fora de época, eles nem percebem os jardins circundando o hospital, as flores apagadas na noite escura. Entram no mundo de lâmpadas fluorescentes, percorrem corredores e salas onde médicos e enfermeiras se agitam possessos de Asclépio, um deus avesso à folia.” (p. 59, conto: Catana).

do Livro "Retratos imorais" de Ronaldo Correia de Brito

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