sexta-feira, julho 23, 2010

O nascimento de uma mulher

Enquanto aguardava que o sinal lhe permitisse atravessar a rua, pensava em como resolver as coisas. A vida se impunha e a obrigava a repensar posturas e escolhas.
Já caminhando, lhe vinham a mente as possibilidades de futuro: a compra da casa que sempre quis, a viagem, o trabalho que não a satisfazia mas que pagava suas contas...
Viver lhe parecia bem mais difícil do que havia imaginado com a sede própria da adolescência.
Sem perceber, sorrira olhando para o cachorro carregado por uma velhinha. A senhorinha sorriu satisfeita, o que lhe fez sair da grande esfera para pensar nos pequenos prazeres diários... O cheiro do amor no seu cabelo, o gosto amadeirado do vinho, o café nas manhãs de domingo, a risada compartilhada, os quilos a menos refletidos no espelho, a intimidade na conversa com amigos. Por um instante pareceu-lhe ter uma vida completa e feliz. Mas havia algo, um não sei quê, que a angustiava. Algo lhe doía, como se secretamente, enquanto dormia, as entranhas lhe crescessem, pressionando-lhe a carne.
Não era mais a mesma. Isso era inegável. Em vão tentava por palavras naquele buraco, no vazio que surgia. A recepcionistra lhe trouxe à tona:
- Tem horário marcado com quem? É só o corte de cabelo hoje?

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