terça-feira, novembro 23, 2010

Os movimentos de um escorpião

No entardecer, no congestionamento entre seu trabalho e sua casa, começou a pensar em suas roupas no armário. Havia peças que não usava a meses, anos talvez. Guardados do apego. O passado que insiste em permanecer.
Assim que chegou abriu as portas do armário e começou a separar o que lhe cabia, o que ainda era de fato seu do que era apenas souvenir de uma outra existência.

Olhando as roupas embaladas para viagem deu-se conta do quanto mudara. A dona daquelas roupas já não existia há muito tempo. Partira levando consigo a menina "enxaqueca". O passar dos anos lhe caia bem; abria-se cada vez mais a vida, ria com facilidade e o humor ácido era um bom tempero à intensidade que guardava para a intimidade.

Deu-se conta então que aquele era um rito no qual ela abria espaço para algo que começava a se tornar passado...
Sentiu a lâmina fria e cega da angústia tocar-lhe a face.
Quantas vezes ainda rcecomeçar, abandonar a casa, a casca...
Em Carne viva, barco ao mar.

Exausta, dormiu sem resistência. Sonhou sua nova despedida.
Sem remorso deixou a sacola de roupas na rua.

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